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Carta aberta às minhas amigas brancas

  • Laís Monteiro
  • 21 de dez. de 2018
  • 3 min de leitura

Não deve ser a coisa mais fácil do mundo ser amiga de militante negra, eu realmente entendo, que a minha amizade as tira da zona de conforto, a nossa amizade não é como as outras, a importância das questões e a forma que vemos o mundo é diferente, não há problema algum nisso, dês que mesmo que não entendam, consigam perceber os caminhos que me levam a dar importância a algumas questões. Fora disso, não há possibilidade de amizade, pois não vou me anular para caber em uma relação.

Primeiramente, gostaria que soubessem que sim, amizade tem cor, assim como o amor tem cor. É um pouco complicado, sei que não deixariam de ser minhas amigas porque sou negra, não é disso que estou falando, mas nada na vida de uma pessoa negra é separável de sua cor, tudo que vivemos perpassa pela nossa história enquanto pessoas negras, não tem como separar, entende? A minha cor me moldou diante do mundo, eu só sou Laís Monteiro, porque sou negra, se não fosse, seria uma outra pessoa, teria uma outra mentalidade, uma outra história. Por isso, sim, amizade tem cor, gostaria então que esse fosse um motivo de soma em nossa amizade, que não ignorassem que eu sou uma pessoa negra, e por isso, a nossa amizade não será igual as com suas amigas não negras, mas que essa diferença pode nos fortalecer e nos ajudar a encontrar formas mais lindas de nos encaixar no mundo. Existem pontos em minha personalidade que vocês jamais entenderão, e eu não estou as julgando por não entender, eu sei, é complexo, precisa de tempo, mas quero explicar algumas coisas com esse texto.

A minha personalidade forte coincide com a forma que eu tenho que encarar a vida desde sempre, eu tive que aprender a me defender sozinha desde pequena, pessoas negras vivem na infância os momentos mais cruéis da vida, nossa inocência é roubada quando somos forçados a aprender a lidar com racismo, ninguém é poupado. Eu trago consequências até hoje, elas são fatores determinantes no psicológico da população negra.

Nas baladas que a gente frequenta, você nunca notou, mas eu sou uma das poucas pessoas negras, sempre, e essa sensação é desesperadora, eu estou sempre em estado de alerta, com a sensação que algo de ruim vai acontecer. Preciso te contar também sobre a vulnerabilidade que sinto em relação aos caras nesses locais. Mulheres negras têm mais probabilidade de sofrer algum tipo de assédio do que mulheres não negras, alguns homens acham que por eu ser negra, eles tem fácil acesso ao meu corpo, eu tenho que estar atenta sempre. Eu me vigio, eu vigio vocês, eu brigo com os caras que extrapolam na paquera, quantas vezes? E quantas vezes já ouvi que sou chata por não as deixar dormir durante a viagem de uber? O meu instinto de proteção é incontrolável, a minha cabeça sempre está pensando em situações de perigo.

Quase sempre eu me divirto menos que os demais, pois meu estado de diversão depende do meu estado de segurança, se eu não me sinto segura, eu não consigo me divertir. Sim, vocês sempre dizem que eu sou rude com os rapazes nas festas, mas nunca me questionaram o motivo. Nos locais que frequentamos, a maioria das vezes privilegiados, o meu perfil é a de mulher de final de balada (é ridículo, mas homens selecionam escalas de mulheres), eu estou na escala daquelas que eles recorrem quando já estão bêbados e não conseguem pegar ninguém, sabe? Eu sou rude, não tenho dúvidas disso, assim como a sociedade é comigo, me colocando em um lugar de resto somente por conta do meu tom de pele. E não, eu não me coloco nessa posição e não aceito estar nela, justamente por isso vocês quase nunca me veem com paqueras nesses espaços, porque eu prefiro ficar sozinha do que me sujeitar a situações e pessoas escrotas.

E manas, se liguem, quando eu passo por uma situação de racismo perto de vocês, não me cobrem uma postura ou reação, seja de defesa ou ataque, vocês não imaginam o quanto é doloroso ouvir algumas coisas e os efeitos que elas surtem em mim. Não me obriguem a ser forte e ter sempre resposta para tudo, porque sou humana e tenho sentimentos, parece que as vezes vocês esquecem, não me obriguem a ser forte, ok?. O que sempre espero de vocês, como minhas amigas e em posição de privilégio, é que me deem um suporte, e só. Essa é a hora de vocês fazerem valer todas as publicações indignadas de racismo que vocês compartilham nas redes sociais, essa é a hora de botar a boca no trombone, manas.


 
 
 

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